«UM RAIO CONTORNANDO A POEIRA»

«UM RAIO CONTORNANDO A POEIRA»

«UM RAIO CONTORNANDO A POEIRA» — RUI HORTA PEREIRA
Curadoria: Ana Matos
Museu do Côa
29.nov.2024 a 25.mai.2025

A 29 de novembro inaugura «Um raio contornando a poeira» de Rui Horta Pereira onde se apresenta uma série de obras recentes, algumas inéditas, em torno das questões da sustentabilidade, do aproveitamento de recursos, da experiência da natureza. Nesta que é sua primeira exposição no Museu do Côa, é, como refere a curadora Ana Matos, sugerido «um estreito e forte diálogo com o Museu do Côa, com a arte rupestre enquanto acto de inscrição, e também na relação com a paisagem como instrumento de revelação», em particular nas séries «Sol», obras criadas a partir da incidência da luz solar, ou «A Penumbra golpeada de luz», desenhos produzidos pela gravação em uma obra antes escultórica. Deste seu compromisso ético resulta, portanto, uma clara e assumida apropriação de recursos naturais, como também é bem exemplo a peça «Água e um pouco de areia fina». A curiosidade por processos tecnológicos e científicos é outra das características do seu percurso artístico e que se reflecte nas séries «Opaco» e «Inanimado».

A exposição ocupa as 3 salas do Museu do Côa, e está patente até dia 25 de maio de 2025, podendo ser visitada no horário habitual do Museu.


TEXTO DE SALA
por Ana Matos

Novembro de 2024

«UM RAIO CONTORNANDO A POEIRA»

Sol, terra. Revelação, inscrição. O sol revela no papel o tempo das voltas que a Terra em seu torno executa. Na terra a inscrição dessa ação permanece e é resgatada. A cada 23h 56min 4,09s o Sol volta a incidir no mesmo ponto do nosso planeta, registando os seus raios nas superfícies que vai contornando, de forma lenta, demorada, irrepetível.

Ao longo do seu percurso, Rui Horta Pereira [RHP] tem vindo a refletir, de forma sistemática e sistematizada, neste que é um constante respigar sobre as questões da sustentabilidade e do desperdício, da experiência da natureza, da descoberta das coisas, integrando o acaso e o erro como ferramentas do processo artístico. Deste seu compromisso ético resulta uma clara e assumida apropriação de recursos sejam naturais, como sol e água da chuva, ou outros como placas de madeira de uma sua escultura ou objetos que encontra nas suas deambulações.

Em «Opaco» e «Inanimado» (Sala 1), a matéria e o assunto da obra são a própria obra, com esculturas feitas a partir de desperdícios, posteriormente encapsuladas em gesso que nos remetem para uns capitéis modernistas. Porém, recorrendo a processos tecnológicos e científicos que amiúde despertam a sua curiosidade e interesse, RHP dá-nos ainda a possibilidade de descobrir, através de uma imagem RX, “uma escultura que desvanece, uma imagem que se reconhece”. Novamente, luz, radiação, absorção, revelação.

As séries «Sol» (Sala 2) que se encontram na sala central resultam de um processo semelhante à Heliografia, através do qual a luz solar incide sobre uma sobreposição de cartolinas, criando linhas e formas, luz e sombra. O tempo de exposição é incerto mas não é aleatório, depende do tempo-época, tempo-meteorologia, tempo-tempo, e a seu tempo se parará o tempo e a sua impressão no papel. Com a ironia que lhe é muito particular, diz RHP a dado momento: “Sinto-me como um equilibrista, um autor em permanente desautorização.” Afinal, há um jogo, um diálogo, uma estratégia que se vai construindo com a natureza como também disso é exemplo a peça «Água e um pouco de areia fina».

Pela desconstrução de uma escultura sua, RHP faz surgir «A Penumbra golpeada de luz» (Sala 3). Um conjunto de placas de madeira que são reapropriadas para um outro fim. Rasgando a buril, a matriz é tintada com este negro offset, e de uma escultura nasce o desenho.

Em «Um raio contornando a poeira» RHP explora esta estratégia e pensamento, criando um estreito e forte diálogo com o Museu do Côa, com a arte rupestre enquanto acto de inscrição, e também na relação com a paisagem como instrumento de revelação. Em torno da luz e da sua sombra, da absorção e da revelação que ambas provocam na matéria e no suporte, o tempo assume um papel fundamental e um raio contorna a poeira.