Faca na Pedra Olho Solar centra-se no estudo e homenagem a um património que, sendo da Humanidade, também o é do Portugal interior rural. Partindo do fascínio pelas ancestrais representações artísticas rupestres, ao ar livre e móveis, do Vale do Côa, imaginámos um espaço de confluência entre humanos, animais, pedras, plantas, cursos de água e metais, em ficção interespécie e transtemporal.
Ao longo dos três anos de pesquisa e criação deste projeto, as visitas ao Museu e Parque Arqueológico do Vale do Côa, e as conversas tidas com as/os arqueólogas/os, guias e a geóloga do Parque, permitiram aprofundar o pensar de um processo de resiliência, de conservação e de descoberta (arqueológica, histórica, geográfica, patrimonial, artística, social…) que, acima de tudo, aceita o desconhecido.
Entendemos bem isto, porque abraçar a especulação e o espanto faz parte de muitos dos processos (técnicos, criativos, sensíveis, emotivos…) da criação artística. Certamente faz parte, dos modos de fazer aberto que desejamos perseguir.
Por vezes de grande escala, são impressionantes estas gravuras paleolíticas e da idade do ferro do Côa, por terem na sua base uma visão site-specific, de grande imersividade, com poucos meios e de uma complexa e sofisticada simplicidade, à qual a nossa própria arte deseja aproximar-se.
Sobrepor gravuras para efeitos impressionantes, usar a topografia e a forma das pedras para dar volume, profundidade e sombra aos desenhos dos animais, são técnicas artísticas que ali se veem dominadas já há 30.000 anos. Tão impressionante quanto um desenho de um auroque agigantado, gravado com um sílex – que teve que viajar de muito longe uma vez que não os havia naturalmente na região, numa grande e alta rocha, de acesso difícil, gravura esta que só era visível à distância da outra margem do vale, em tom branco sobre xisto, com uma linha que brilhava vigorosamente à luz do sol.
Termos como idade da pedra, idade do ferro, idade do gelo evocam transformações poderosas como os tempos de crise climática que vivemos atualmente. É a sensação de estarmos no cume da montanha a contemplar a queda.
Susana Ventura assinará o texto da exposição e a publicação será editada pela Documenta Sistema Solar.
Este projeto só foi possível graças aos apoios da Fundação Côa Parque, Direção-Geral das Artes, Campus Paulo Cunha e Silva e Appleton Associação Cultural.
Bio
Daniel Moreira e Rita Castro Neves vivem e trabalham entre o Porto e a Beira Alta. Daniel Moreira é licenciado em Arquitectura, iniciando em 2000 um percurso multidisciplinar entre a arquitectura e as artes plásticas. Rita Castro Neves, após terminar o Curso Avançado de Fotografia do Ar.Co em Lisboa e o Master in Fine Art da Slade School of Fine Art de Londres, inicia uma atividade artística regular, de docência e de curadoria.
Com percursos artísticos separados, começam a trabalhar em colaboração em 2015, iniciando um projeto longo a partir da natureza, em que refletem com o desenho, a fotografia, o som, o vídeo e a performance, sobre colaboração artística, diferentes técnicas e culturas artísticas, território, ciência, escala e percurso. O seu trabalho, influenciado pelo pensamento animista, parte muitas vezes do lugar em que se encontram. Atentos às possibilidades das matérias, encontram soluções simples, mesmo para resultados complexos e de larga escala, que são frequentemente devedoras dos saberes tradicionais e populares.
Em 2020 terminam o projeto de recuperação da Escola de Macieira, uma antiga escola primária do Plano dos Centenários na Serra de São Macário, na Beira Alta, para aí iniciarem um projeto de reflexão sobre cultura serrana, a natureza e o rural, e logo pela ecologia, a biopolítica e a preservação ambiental.
No seu estúdio no Porto desenvolvem desde 2021 o projeto de arte postal Caixa de Correio.